Se você quiser que uma outra pessoa decida e aja a seu favor e não contra você, a negociação é o caminho
Por José Augusto Vanderley
O que pessoas, empresas ou nações são hoje é fruto das decisões e ações que fizeram no seu passado. E o que serão amanhã é fruto das decisões e ações que estão realizando no presente. O fato é que, queiramos ou não, estamos sempre decidindo, pois não decidir já é uma decisão. E como Peter Drucker sintetizava, “o produto final do trabalho de um administrador são decisões e ações”. Portanto, decisões e ações constituem a base de tudo. E o que é negociação? Negociação é o processo de influenciar as decisões e ações de outra pessoa. Portanto, se você quiser que uma outra pessoa decida e aja a seu favor e não contra você, saber negociar é o caminho. Assim sendo, saber decidir, negociar e agir são fatores essenciais para um líder ou administrador que busque excelência, resultados e sucesso.
Comecemos pela Microsoft. Logo no início, duas negociações foram fundamentais para a empresa ser o que é hoje. A primeira, foi a compra, por US$ 50.000, de um sistema operacional para microcomputadores, então na sua fase embrionária, o QDOS. A segunda, foi a venda para a IBM dos direitos de uso deste sistema que, após alguns desenvolvimentos, passou a se chamar MS-DOS. Mas só que na negociação com a IBM, Bill Gates incluiu uma pequena cláusula que os negociadores da IBM não deram muita atenção: a IBM não teria direito ao uso exclusivo do sistema operacional. Ou seja, o MS-DOS também poderia ser vendido e utilizado por outras empresas. E foi isto que fez toda a diferença. Portanto, em negociações detalhes e, às vezes, até uma vírgula, podem fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso.
O fato é que, quer nos demos conta ou não, vivemos num mundo de negociações. São negociações de vendas, compras, comércio internacional, fusões, incorporações, joint-ventures e alianças estratégicas, entre outras. Isto sem considerar as milhares de negociações internas que são realizadas todos os dias numa empresa. Mas também existem as negociações na vida pessoal, social e afetiva. O casamento mesmo, é uma grande negociação. É por isto que há quem diga que passamos quase oitenta por cento do nosso tempo negociando. Assim, o sucesso de uma pessoa, nas várias esferas da sua vida, está intimamente relacionado à forma como ela negocia.
As duas abordagens de negociação
Quando se pensa em negociação, como em qualquer coisa da vida, deve-se começar considerando as abordagens. Existem duas principais: as fragmentadas e as holísticas. E qual a diferença entre elas? Sob a abordagem holística, podemos afirmar que o sucesso não é fruto de um só parâmetro, mas sim de um conjunto. A abordagem holística, que também é conhecida como gestáltica e sistêmica, parte de uma pergunta fundamental: quais são todas as condições necessárias e suficientes para o sucesso. Considera não somente este conjunto de partes, mas também os relacionamentos entre estas partes.
Já as abordagens fragmentadas não têm esta preocupação com o todo. Consideram um ou outro parâmetro e absolutizam este parâmetro. Em suma, tem formas muito simplistas, dogmáticas e, às vezes, até ingênuas de tratar as questões. Vejamos dois exemplos. O primeiro é a afirmação: “Você é do tamanho dos seus sonhos”. Se isto fosse verdade, as pessoas realizariam seus sonhos e promessas de fim de ano. Mas uma pesquisa feita pelo psicólogo Richard Wiseman, da Universidade de Hertfordshire no Reino Unido, constatou que 78% das pessoas falha no cumprimento de suas promessas. Assim, sendo, sonho é um dos parâmetros do tamanho de uma pessoa, mas existem outros como competências, crenças, paixão por vencer e estados mentais e emocionais.
Um outro exemplo é a expressão: “Nunca desista dos seus sonhos”. Às vezes não desistir de um sonho pode ter consequências fatais. Pepê foi um brasileiro que em 1981 foi campeão mundial de asa delta. E Pepê tinha um sonho, ser bicampeão. Só que no último dia da competição, as condições do tempo estavam péssimas e Pepê, que até então estava em segundo lugar, resolveu se lançar assim mesmo e acabou tendo um fim trágico.
Assim, vale a Oração da Sabedoria: “Dai-me força e competência para mudar o que pode ser mudado. Paciência para aceitar o que não pode ser mudado. E sabedoria para distinguir uma coisa de outra”. Ou seja, cada caso é um caso. E devemos ter uma visão global e nunca abrir mão da capacidade de pensar e refletir em função de frases de efeito e generalizações equivocadas. O problema é que parece que pensar dói. Isto que dizer que pensar, muitas vezes, importa em sair da área de conforto e procurar ver uma situação por diferentes óticas e matizes.
Negociação: uma competência completa
O que devemos ter em conta é que negociação é uma competência completa e não existe nada relativo ao ser humano que não esteja presente numa negociação. Desde aspectos de realidade interna, como crenças, motivação, valores, estados mentais e emocionais, temores, flexibilidade e paixão por vencer, passando por aspectos físicos, entre eles sono, respiração e relaxamento. Assim, quem não dorme bem acaba ficando sem energia e, como decorrência, tem a sua competência fragilizada.
Mas também existem aspectos de relacionamento como comunicação, linguagem, clima, confiança e estilo comportamental. Por falar nisto, qual é o seu estilo comportamental? Você é um catalisador, apoiador, controlador ou analítico? E como fazer para negociar com cada estilo de negociador?
Igualmente é necessário considerar o objeto da negociação sob a forma de conteúdo e processo. Conteúdo tem a ver com o assunto e o processo com a sequência como este assunto é tratado, ou seja, com o caminho a ser seguido. Em negociação não é verdade que todos os caminhos levam a Roma. Existem caminhos que levam para o céu, mas existem caminhos que levam para o inferno. Para considerar todo este conjunto de fatores desenvolvi o MIN - Modelo Integrado de Negociação.
As quatro formas de se fazer uma negociação
Existem 4 formas de se efetuar uma negociação que são: Solução de Problemas, Barganha Agressiva, Barganha Suave e Barganha Adaptada. E conhecer muito bem estas 4 formas é fundamental, pois não existe a melhor forma de se negociar, mas sim aquela que é a mais apropriada a cada contexto e situação. Assim, por exemplo, o tratado de Camp David, que foi assinado em 1979, e que selou a paz entre o Egito e Israel, só foi possível porque as negociações foram conduzidas na base da Solução de Problemas. Já os compradores de supermercado, utilizam com sucesso a Barganha Agressiva e os vendedores de automóveis a Barganha Suave. Algumas vezes pode ser muito eficiente a Barganha Adaptada, que se caracteriza pelo “nem para mim, nem para você, vamos rachar a diferença”. Nas negociações internas de uma empresa e na administração de conflitos, a melhor forma de se conduzir uma negociação é a Solução de Problemas, isto porque, a Barganha Agressiva leva ao Perde/Perde e as Barganhas Suave e Adaptada levam a soluções de pior qualidade. Portanto, é sempre bom enfatizar que só é possível sinergia numa empresa, se as negociações internas forem conduzidas na base da Soluções de Problemas.
O processo de negociação
Toda negociação é um processo e o processo constitui a espinha dorsal de qualquer negociação. Aliás tudo na vida também importa em processo, e a importância do conceito de processo foi identificado pela primeira vez por Kurt Lewin, o criador da dinâmica de grupo. Em negociação o processo é constituído por sete etapas que são Preparação, Abertura, Exploração, Apresentação, Clarificação, Ação Final e Controle/Avaliação. E sempre que você estiver negociando, quer você queira ou não, quer você se dê conta ou não, você sempre estará numa destas etapas. E de todas as etapas, a mais importante é a Preparação, pois como já dizia Benjamin Franklin, por volta de 1750, “quem não leva a sério a preparação de algo, está se preparando para o fracasso”. Portanto, quem quiser fracassar já sabe a receita.
Vamos a alguns pontos indispensáveis para uma boa preparação e, consequentemente, para uma boa negociação:
1) A avaliação da situação. Perguntaram para o megabilionário Warren Buffet qual a razão do seu sucesso e a resposta foi: “a minha capacidade de avaliar”. O fato é quem não sabe avaliar não vai saber separar o verdadeiro do falso brilhante e pode ter sérios problemas, como por exemplo, no caso do Boi Gordo, uma firma de investimento em gado, que prometia mundos e fundos, mas acabou lesando mais de 30 mil pessoas, sendo que algumas delas perderam as poupanças que haviam feito durante toda a vida. Foi o desenvolvimento da capacidade de avaliar, em função da negociação, que me permitiu escrever o artigo, “O Monge e o Executivo: Entendendo o Conteúdo, a Essência e Alguns Equívocos”, pois pude perceber coisas que normalmente escapam de quem não é treinado, entre outras coisas, a inclusão de uma citação de Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, que era a negação viva de tudo o que pregava o livro;
2) Para avaliar bem, é preciso saber interpretar, e um mesmo conjunto de fatos permite várias interpretações. E este é um grande problema, pois normalmente as pessoas se apegam à primeira interpretação, não levando em conta aquilo que Bertrand Russel recomendava, que era o julgamento adiado, ou seja, tenha cuidado com a primeira interpretação. Em negociação, o que vale não é a primeira interpretação e impressão, mas sim a última. A primeira pode ser equivocada em função de uma armadilha que foi plantada, justamente para fazer você se enganar. Assim, por exemplo, no Monge e o Executivo, logo no início do primeiro capítulo, John Daily, quando entra no seu quarto, encontra o irmão Simeão consertando um vazamento do vaso sanitário. John Daily ficou encantado com a humildade do irmão Simeão, afinal, um tremendo executivo consertando um vaso sanitário. Já a minha interpretação, tendo em vista o julgamento adiado, foi radicalmente distinta: “como é incompetente ou relapso este irmão Simeão”, pois afinal, no mosteiro só haviam 3 quartos de hóspedes e ele só percebeu o problema, ou foi consertar o vazamento, quando os hóspedes já estavam alojados. Isto sem considerar pergunta: “há quanto tempo já existia aquele vazamento?”. Além do que, segundo o livro, o irmão Simeão estava de quatro e ficar de quatro, decididamente, não é a melhor posição para se consertar um vaso sanitário;
3) A definição de objetivos. Toda negociação é para alcançar objetivos, ou seja, é importante saber e explicitar o que se quer. Existem três tipos de objetivos: acomodados, e quem espera pouco alcança pouco; alucinados, que são objetivos impossíveis de serem alcançados e acabam gerando frustração; e objetivos desafiantes e possíveis, e que obedecem aos princípios da boa formulação, como serem verificáveis, mensuráveis, significativos e relevantes, serem definidos no tempo e estarem no controle e no campo de possibilidades de quem os formula. Assim, viajar para Marte no próximo ano não é um bom ojbjetivo;
4) A preparação também deve levar em conta os pontos de vista de todas as partes envolvidas, bem como considerar uma análise de risco, isto porque, vivemos num mundo de probabilidades. Assim, deve-se considerar tanto o melhor, ou uma visão otimista, para que, caso o melhor aconteça possa ser aproveitado. Quanto o pior, ou seja, estar prevenido para o caso da lei da Murphy ocorrer, como foi o chamado Milagre do Rio Hudson, em que um avião, com 155 passageiros, saindo de Nova Iorque com destino a Charlotte, na Carolina do Norte, teve um sério problema quando pássaros entraram e danificaram uma das turbinas do avião, que não pode mais voar para o seu local de destino, tendo que pousar no Rio Hudson. Assim, numa negociação é importante estar preparado para o que der e vier e para isto criei uma tecnologia chamada Matriz de Preparação;
4) Sobre o que o outro faz. É sempre bom considerar que o que o outro faz é problema do outro. O seu é o que você deve fazer para alcançar os seus objetivos. Portanto, foco no que você quer, pois culpar o outro, reclamar do passado e outras coisas do gênero, só vão levar você a se afastar dos seus objetivos e a gastar energia inutilmente;
5) Esteja preparado para todas as etapas da negociação. Um dos erros mais frequentes é não levar em conta que a negociação não acaba quando se chegou a um acordo, mas sim quando o acordo for cumprido. Afinal, tem gente que promete e depois não cumpre;
6) Um outro ponto que deve ser considerado é que negociação não é apenas uma competência cognitiva mas sim cognitivo-comportamental. Isto quer dizer que os conhecimentos devem ser transformados em comportamentos, e isto se dá através de novos condicionamentos ou hábitos. E sem muito treinamento isto não é possível. É preciso pagar o preço. Ou como disse César Cielo, após ganhar medalha de ouro no Campeonato Mundial de Natação em Roma 2009: “Medalha de ouro com recorde mundial, a emoção é muito grande. É um sonho sendo realizado. Agora está doendo o corpo inteiro. Eu sabia que ia doer, mas está valendo muito a pena essa dor. É a maior alegria que eu poderia ter”.
Assim, tenha presente que existem duas abordagens de negociação, as fragmentadas e as holísticas. E de acordo com a abordagem holística, negociação é uma competência completa e não existe nada relativo ao ser humano que não esteja presente numa negociação. E quando você começar a compreender e praticar a negociação dentro desta perspectiva, desenvolvendo todas as competências necessárias e, consequentemente, o seu poder pessoal, ou seja, sua capacidade de agir e obter resultados, você vai ficar compreendendo por experiência própria uma frase de Albert Einstein: “A mente que se abre a uma nova ideia, jamais voltará ao seu tamanho original”.
Fonte: Site Administradores
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